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Os Kleshas como obstáculos ao fim do sofrimento, de acordo com “Os Yoga Sutras de Patanjali”.

Atualizado: 30 de jan. de 2021

Por Professor Eduardo Dias



Todo movimento do Yoga tem um único objetivo que é a libertação do sofrimento. Em sânscrito a palavra para essa libertação é Moksha.


O sofrimento humano é caracterizado pelos estados mentais de dor interior independente se algo indesejado e preocupante do lado externo esteja ou não ocorrendo.


Diferente da dor que sempre possui uma causa real externa conectada a uma manifestação no corpo, o sofrimento é totalmente psicológico e por isso pode ser pura criação da mente, aliás, na maioria das vezes ocorre assim.


Desenvolvemos o sofrimento por algo que não existe ou que ainda não aconteceu.


No Yoga, toda prática é capaz de diminuir a atividade mental e gerar gradativamente distância do sofrimento de modo que vamos nos desapegando daquilo que nos faz sofrer.


Transformamos sofrimento em aprendizagem e seguimos em frente.


Os obstáculos ao sofrimento são chamados de kleshas que na tradução direta significa veneno, ou seja, são venenos para o processo de libertação.


Aqui me utilizarei da palavra obstáculo para denominar os Kleshas.


Neste artigo vou tratar destes obstáculos e como removê-los sem um combate direto ao sofrimento, mas aprendendo a reconhecer quem realmente somos além de nossa personalidade e história individual.


Darei esta visão me baseando em um texto clássico fundamental do sistema filosófico do Yoga: “Os Yoga Sutras de Patanjali”, escrito provavelmente entre os séculos 2 a 3 A.C.


Este texto é um marco da entrada do Yoga como mais um Darshanam ou ponto de vista da realidade do Hinduísmo.


Os Kleshas de acordo com Patanjali.


No capítulo dois do Yoga Sutras, intitulado de Sadhana (que significa um meio para se atingir algum objetivo), Patanjali descreve quatro Kleshas como obstáculos para o Yoga e a libertação do sofrimento.


Abaixo cada um deles:


1. O primeiro, avidya, significa falta de sabedoria ou ausência de conhecimento.


Vidya é conhecimento, assim, avidya é a ausência de conhecimento. Patanjali confere a este primeiro klesha o título de pai dos demais kleshas (2.4) e faz referência ao fato de ignorarmos a nossa autêntica natureza o principal obstáculo: a remoção do sofrimento.


2. Asmita significa egoidade, que é a aparente e ilusória percepção de que somos um eu (2.6).


Nossos processos mentais e nosso corpo tem continuamente um elemento em atividade, em especial em vigília e ao sonhar que é o senso de sou eu, meus pensamentos, minhas memórias, minhas emoções e meu corpo. No Yoga entendemos que há um sujeito mais profundo que observa todos estes processos e este sujeito não é o eu. O eu é apenas mais um objeto da observação consciente deste sujeito interior que tem vários nomes como Brahman, Purusha ou Paramatman.


3. Raga significa desejo.


Está relacionado àquilo que decorre da experiência do prazer (2.7). Nossa continua busca por prazer sensorial, físico e emocional nos faz agir sempre motivado pelos frutos e resultados das ações.


4. Dvesha significa aversão.


Se no desejo queremos conquistar, aqui buscamos distância de certas experiências e pessoas, e isto decorre pelas memórias da dor (2.8). Raga é nossa crença de obter felicidade e dvesha é o medo de não obtê-la ou de ter de se relacionar com aquilo que nos causa dor.


Na figura abaixo ilustro os quatro kleshas e sua hierarquia.



Os quatro Kleshas de acordo com Yoga Sutras de Patanjali.


A hierarquia proposta por Patanjali segue a lógica de que a nossa percepção egóica e o como nos relacionamos com nossos desejos e aversões são frutos da ignorância de nossa real natureza.


Como não sabemos quem somos, acabamos por acreditar que somos um eu e nada mais.


Satisfazer os desejos do eu trazem momentos de felicidade o que nos leva a acreditar que essa é a busca incessante da vida, além de evitar o que nos causa dor.


O que não percebemos é que, ao conquistar algo, a felicidade dura até o próximo objetivo aparecer em nossas mentes, ou seja, precisamos de novas buscas que se conquistadas nos levam novamente a felicidade que é sempre passageira.


No Yoga a compreensão é diferente. Esta felicidade é autêntica, mas não é fruto da conquista e sim da ausência de desejos.


Ao conquistar algo sentimos por vezes até o êxtase de uma alegria espiritual, sem ego, livre e plena.


Interpretar este estado como causado pelo objeto conquistado é o engano.


O real motivo deste estado de alegria e felicidade se deve a ausência de desejos que ocorre quando acabamos de conquistar algo e não devido ao que foi conquistado.


É simples, basta notar o que está ocorrendo dentro de você quando conquista algo. Você está aliviado e em paz porque não há mais desejo.


Ao concluir isto podemos imaginar que estabilizar este estado seria simplesmente abandonarmos todo e qualquer desejo.


Isso que Patanjali quer ensinar ao escrever que nossa falta de conhecimento de nossa autêntica natureza é o maior obstáculo ao fim do sofrimento e a libertação.


Nossa autêntica natureza é a consciência livre de desejos, ampla e plena.


Ao identificar nossa consciência além do nosso corpo, da mente e do eu, atingimos a liberdade que é a busca do Yoga.


Não entenda isto como abandono destes instrumentos de cognição e ação (mente/eu). São elementos essenciais na ação e nos relacionamentos de toda nossa vida.


O que mudamos é nossa relação com estes elementos que passam a ser ferramentas de aprendizado e ação. Assim, a liberdade do sofrimento psicológico e dos frutos das ações pode se estabelecer.


Isso não significa que paramos de agir perante a vida e seus desafios.


Significa que nosso foco e atenção é voltado para a ação em si. Vivemos a ação livres da projeção, ansiedade e angústia do resultado.


Ao agirmos com essa liberdade e a partir da consciência e não do eu, desenvolvemos compaixão por nós mesmos e por todos os seres a nossa volta.


Isso é chamado de Karma Yoga. É o Yoga da ação.


Se o movimento contínuo desta percepção pode parecer idealista demais, não se preocupe, pois, a jornada é longa e talvez nem tenha fim.


Mas ao iniciar está jornada você notará a mudança a cada passo rumo a sua autêntica natureza.


Remover o véu da ignorância é o objetivo do Yoga para o fim do sofrimento.


Reconhecer o sujeito/consciência que observa todo processo mental e também seu eu, é sua chave para a liberdade.


Assim se atinge Moksha. Assim você simplesmente é Yoga.


Referências

1. Patanjali: Os Yoga Sutras de Patanjali, tradução de Carlos Eduardo G. Barbosa, Ed. Mantra

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